terça-feira, 22 de junho de 2010

uma leveza


Acordou desejando dormir. A maior invenção tecnológica dos últimos tempos tinha sido a soneca do celular. Cinco minutos a mais numa manhã cansada muda o dia de qualquer um. Levantou-se, atrasada, repetindo os mesmos ritos que aprendera desde cedo. Desejava um dia ter uma audiência particular com Santos Dumont e perguntá-lo se não havia nada melhor para inventar do que o relógio de pulso. Os relógios de pulso nos deixam presos às horas, porque estão sempre ali pra não esquecermos.Tinha ódio mortal dos relógios de pulso.

Chegou à repartição gelada. O ar condicionado costumava cuspir neve e o exaustor tinha a função de espalhá-la por todo o ambiente. Percebia que a frieza tornava-se ainda mais cruel quando existia um abismo entre o que parecia ser e o que se apresentava de fato.Tinha medo das pessoas com cara de bom dia.

Por um instante, sentiu-se oprimida pelos sorrisos de dentes travados. Mas era melhor pensar que, no fundo, havia uma verdade naquela encenação. Esboçou satisfação. Era criativa demais para permanecer indefesa. Contava com a criatividade e isso a bastava. Proferia a si mesma certezas do seu mundo. Intrasnponível mundo.

Rabiscou em sua caderneta quaisquer frases. Fazia isso quando queria conferir o que ainda lhe restava de valor dentro de si. Fazia exaustivas conferências com o seu inconsciente. Finalmente constatou que o mundo de fora não havia subtraído o que lhe restava de mais nobre: a sua leveza.

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